sábado, 16 de julho de 2011

USUCAPIÃO MEDIANTE ABANDONO DE LAR: RETROCESSO OU INTERESSE PÚBLICO?




Trata-se da Medida Provisória 514 de 01/12/2010, convertida na Lei 12.424 em 16/06/11.

Por meio da inclusão do artigo 1.240-A no Código Civil instituiu-se em nosso ordenamento nova modalidade de usucapião, segundo a qual “Aquele que exercer, por dois (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”.

Ao meu sentir trata-se de um retrocesso, além de haver um interesse do poder público incluso sorrateiramente nesse contexto. Como advogado familiarista vejo o retorno dessa figura jurídica de abandono de lar um desserviço à sociedade.

Quantas mulheres espancadas, ameaçadas de morte e estupradas permaneciam residindo com seus algozes por receio de perderem seus bens?  

Agora, a forma como se deu o rompimento fático do casal – mais especificamente com ou sem abandono do lar – definitivamente poderá produzir efeitos patrimoniais entre as partes.

A possibilidade de saírem do ambiente aterrador e ingressar em Juízo para receberem os seus direitos patrimoniais tem evitado grandes tragédias, ou seja, verdadeiras mortes anunciadas foram abortadas.

Com essa alteração, o perigo ronda novamente os lares brasileiros. A própria Lei Maria da Penha será afetada, afinal a mulher agredida que já encontra enorme dificuldade para registrar o fato nas delegacias, ainda terão que dirigir-se ao cartório e deixar expresso o seu desejo de repartir o imóvel. No cartório, por lei, haverá necessidade de comprovar a metragem do terreno, que deverá ser de no máximo duzentos e cinqüenta metros quadrados.  

Isso na prática burocrática cartorária será terrível, principalmente diante daquelas mulheres ameaçadas de morte ou inclusas nos programas de proteção a testemunhas.

Outra questão a ser debatida é o conceito de família. O artigo 226 da Constituição Brasileira elenca um rol exemplificativo onde as famílias oriundas do casamento, união estável e monoparentais são consideradas entidades familiares. Além disso, o Supremo Tribunal Federal igualou a união estável as homoafetivas. Pergunta-se: todos esses cônjuges, companheiros e parceiros estarão inclusos no conceito familiar para efeito dessa alteração legislativa, quando deixarem seus lares?  

Outra indagação: Porque somente imóveis urbanos e com metragem específica de duzentos e cinqüenta metros quadrados? Aqueles que residirem em lares acima da metragem especificada e tiverem que deixar seus ambientes estarão desprotegidos? Fadados à vala comum do Judiciário?

Ao meu sentir existem interesses públicos por trás dessa alteração, pois as mesmas foram realizadas dentro de um pacote de medidas para o programa “Minha Casa, Minha Vida” do Governo Federal.

Será que a máxima de que todos são iguais perante a lei, mas cada um na sua classe será declarado? Entendo que o legislador está impondo uma penalidade patrimonial para aquele que abandona o lar

Eis a minha contribuição ao debate.

Cláudio Andrade.

5 comentários:

douglas da mata disse...

Caro Cláudio,

Entendo suas preocupações e o cerne do debate, que é correto.

Mas a lei não explicita, e parece não ter ficado claro, que a saída do lar mediante uma situação de ameaça não se encaixa da previsão legal, ou se encaixa?

Logo, eu imagino que se o afastamento é motivado por uma questão de perigo iminente, e há comprovação fática(registros ou pedidos judiciais de medidas protetivas, etc) não há que se falar em abandono.

Mas de todo jeito, como o direito não protege quem dorme, se o cônjuge sai de casa, e não motiva sua saída, há uma quebra "contratual" que dá causa a sanção prevista.

Afinal, o casamento é um instituto público, como normatização prevista e com efeitos legais para os cônjuges, herdeiros e terceiros, e assim deve se tratado.

Sem paternalismos, machismos de sinal trocado ou outra forma de desequilibrar o direito das partes, que afinal, casam de comum acordo.

Um abraço.

Anônimo disse...

Não há mais o que debater, senão a adequação da norma à Constituição, uma vez que o verdadeiro debate deve ocorrer quando da elaboração da Lei.

Após isso a Lei em vigor deve ser aplicada e só.

douglas da mata disse...

Como não? Então a mesma sociedade que entendeu que tal princípio deveria ser diplomado não pode evoluir(ou involuir, dependendo da opinião de cada um)e revogar ou alterar a a norma legal.

Trata-se de engessar a lei e a realidade e pronto?

Ué, então vamos fechar as instâncias superiores e colocar um programa de computador no lugar de juízes de primeiro grau, com as variáveis estáticas e numéricas, probabilidade e outros cálculos cartesianos, e pronto: cumpre-se a lei, e pronto. Sem debate.

E o debate constitucional no STF, é algo técnico e simétrico?

Anônimo disse...

conclusão, ainda bem que sou viúva! Oba

@c_a_d_u disse...

Olá Cláudio.

Sobre o tema, não considero um retrocesso por um simples motivo:

"... por dois (dois) anos ininterruptamente e sem oposição,...".

Quem se sentir prejudicado, pode no prazo de dois anos, se opor à situação e buscar seu direito de não sair no prejuízo.

Já vi alguns casos onde o marido/companheiro abandonou o lar, a esposa/companheira arcou com todas as prestações de financiamento do imóvel (que eram consideravelmente altas), e depois de quitado, enfrentou processo onde o ex-marido/companheiro cobrava a sua metade de direito sobre o imóvel, mesmo sem ter contribuído com o financiamento.

Então acredito que é bem interessante a inclusão desse artigo, pois geralmente quem abandona o lar, tem condições para isso, e quem permanece, muitas vezes permanece por não possuir iguais condições.

Por fim, sempre ouvimos durante toda a graduação de direito uma máxima que pode definir bem essa situação: "Dormientibus non succurrit jus".

O direito não socorre os que dormem, e por isso, quem dormir e não se opuser, quando deveria, deve sim perder o direito ao bem em questão, nos termos do artigo.