Folha da Manhã - A ação do Ministério Público cessou com a explosão dos quatro diques ou há outros na mira? Qual é a dimensão real dos seus objetivos? Pretende acabar com todos os diques da Lagoa Feia?
Marcelo Lessa - No que depender de mim, sim. Cuidam-se de construções ilegais, porque não autorizadas pelo órgão ambiental e, além disso, destinadas a proteger propriedades que foram surrupiadas da Lagoa, portanto áreas públicas, não passíveis de expropriação. Não tenho, ainda, a noção exata de quantos diques existem, porque, com a elevação do nível da Lagoa, muitos podem estar submersos. No entanto, assim que estiverem à mostra, no que depender de mim, envidarei todos os esforços junto aos órgãos competentes para que esses diques sejam também demolidos, com o apoio do Ministério Público Federal. Estou convencido de que essas ações foram fundamentais para que a água em Ururaí e Lagoa de Cima baixasse e, com isso, beneficiasse milhares de pessoas que tiveram suas casas invadidas pela água, em parte graças à construção desses diques irregulares, o que me parece ser uma constatação de uma obviedade que dói, custando a crer que algum técnico tenha a coragem de sustentar o contrário. Mas não é só isso, se os diques destruídos forem reconstruídos, prenderei em flagrante os pseudo-proprietários das terras, pelo crime ambiental respectivo. O mesmo farei, caso resolvam aumentar o tamanho dos outros diques que ainda não foram destruídos, por terem ficado submersos. Isto para manter a coerência das ações implementadas, que têm o aval da Justiça Federal de Campos (1ª Vara), que, inclusive, deferiu medida liminar em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, proibindo a reconstrução dos diques que foram explodidos. Enquanto esta decisão estiver valendo, me encarregarei pessoalmente de velar pelo seu cumprimento.
Folha - Na bacia da Lagoa Feia, as chuvas causaram impactos sem precedentes. Por quê?
Marcelo - Em parte, e eu não tenho a menor dúvida disso, graças aos diques que foram explodidos, que diminuíam a capacidade de expansão da Lagoa e, por conseguinte, represavam a água a montante, nas comunidades de Ururaí e Lagoa de Cima, mais especificamente. Tanto que, depois das explosões, as águas por aqueles locais baixaram rapidamente e, nem mesmo com as chuvas que voltaram a cair, fizeram o mesmo estrago que fizeram antes das explosões. Ao lado disso, o assoreamento do Canal das Flechas também contribuiu para o acúmulo da água, não se pode negar. E também não se pode esquecer que muitos dos que reclamam das conseqüências dessas enchentes estão com suas "propriedades" não na "bacia da Lagoa Feia" e, sim, dentro da Lagoa Feia, porque invadiram seu leito seco e construíram ou plantaram cana, ou mesmo passaram a colocar gado dentro de APP (Área de Proteção Permanente).
Folha - Não bastaria limpar o Canal das Flechas para lançar o excedente de água no mar?
Marcelo - E o que faríamos em relação aos diques irregularmente construídos, que tiveram impacto nas cheias? Simplesmente nos esqueceríamos deles? Deixaríamos o crime ambiental se perpetuar, por subserviência ao interesse econômico? Evidente que não poderíamos ser coniventes com isso. E limpar o Canal das Flechas, a ponto dele dar vazão ao escoamento da água, demandaria muito tempo, como, aliás, está sendo feito até hoje e ainda não acabou. E enquanto isso? Deixaríamos as comunidades de Ururaí e Lagoa de Cima com água dentro de suas casas? Deveríamos ter sacrificado os interesses deles para prestigiar o interesse econômico de plantadores de cana e criadores de gado que invadiram áreas públicas? Isso não seria um papel digno de um promotor de Justiça. Lembro que, após as explosões dos diques, a água baixou de um dia pro outro, o que, por si só, já justifica as ações tomadas. Nessa perspectiva, também foram ações de Defesa Civil, lastreadas na premissa do estado de necessidade. Perguntem para as comunidades de Ururaí e de Lagoa de Cima se o que eu fiz não resolveu o problema deles. É isso que me importa. Eles são os maiores avalistas do acerto dessas ações.
Folha - Como ficou a bacia da Lagoa Feia depois de ter passado o momento agudo?
Marcelo - A Lagoa retomou o espaço que sempre lhe pertenceu e, se invadiu alguma propriedade, não foi por causa dos diques que nós explodimos. Tenho recebido manifestações da comunidade de Ponta Grossa dos Fidalgos, agradecendo pelas ações e afirmando que, não fosse a explosão dos diques, eles teriam ficado com suas casas submersas, porque a água que desceu para a Lagoa Feia seria represada nos diques explodidos e, obviamente, vazaria para Ponta Grossa, que não tinha dique para lhe proteger.
Folha - E as estradas BR 101 e dos Ceramistas, contribuíram para agravar a situação?
Marcelo - A BR 101 é a principal via de ligação do país. A manter a BR 101 ou os diques, é óbvio que a BR 101 atende a interesses muito mais defensáveis do que os dos supostos proprietários das terras públicas. Até hoje não apareceram as escrituras. Cadê elas? Por que, ao invés de reclamarem tanto, não mostram as escrituras dessas terras? Respondo: porque não as possuem. Tenho essa informação dos cartórios de registro de imóveis, tanto de Campos, como de Quissamã. Até a Estrada dos Ceramistas atende a interesses mais defensáveis do que esses, porque desafoga o tráfego pesado do centro de Campos. No entanto, essa estrada, a dos Ceramistas, é alvo de um inquérito civil no Ministério Público, que eu presido, com o objetivo de, nas reformas que virá a sofrer, se adequar de modo a não contribuir para o alagamento.
Folha - Cardoso Moreira e Três Vendas viveram um drama social muito intenso. Por que exatamente esses núcleos urbanos?
Marcelo - Quanto a Cardoso Moreira, não posso falar muita coisa, porque não pertence a minha área de atuação. No entanto, acompanhei de perto a situação de Três Vendas. Pelo que pude perceber, trata-se de uma comunidade situada numa área baixa. O rio Muriaé encheu muito e ultrapassou um dique de contenção da usina Sapucaia. Daí, a água entrou forte e passou sobre a BR 356. Para piorar, a válvula de escape consista em manilhas, com vazão muito pequena. A água só escoou após a abertura de uma vala na BR 356, que foi autorizada pelo Dnit. Depois ela teve que ser fechada, porque o rio Muriaé voltou a subir, só sendo possível reabri-la já no início deste ano. E aí a água escoou em um ou dois dias. A solução para eles seria a remoção de lá ou, então, a elevação do nível a BR 356, o que funcionaria com um outro dique de contenção. Aliás, toda a estrada não deixa de ser um dique. E, no lugar das manilhas, a substituição por bueiros celulares, o que também me havia sido prometido pelo então superintendente do Dnit no Estado do Rio de Janeiro.
Folha - Numa notificação sua ao Ministério Público Estadual, várias lagoas que foram apropriadas para a lavoura e a pecuária eram áreas de escape de cheias e agora estão bloqueadas. A informação é procedente?
Marcelo - Existem inquéritos civis na minha Promotoria que apuram isso. Determinei a realização de perícia e, se constatar que eram lagoas que foram apropriadas irregularmente para plantação, perdendo sua função de áreas de escape das águas e, por conseguinte, contribuindo para a inundação de assentamentos urbanos vizinhos. Envidarei todos os esforços para remover qualquer obstáculo que esteja impedindo o acúmulo de água em sua bacia original, como diques, por exemplo, fazendo o mesmo que fiz com relação aos diques da Lagoa Feia. Lagoa é área pública e, por conseguinte, não pode ser objeto de apropriação por parte de terceiros. Isto é um ilícito ambiental, além de ser uma grande cara de pau.
Folha - Você foi procurado por representantes de várias comunidades. Uma, em particular, a da Lagoa das Pedras, chamou sua atenção. Por quê?
Marcelo - Segundo essa comunidade, ela estaria sendo vítimas dessa possível apropriação do que seria a antiga Lagoa das Pedras, para fins de lavoura de cana-de-açúcar. Como eu disse, a matéria é alvo de inquérito civil, com perícia para ser realizada, não se tendo, ainda, uma conclusão definitiva a esse respeito. Assim que eu a tiver, adotarei as providências cabíveis.
Folha - No seu entender, que medidas devem ser tomadas para evitar ou atenuar os impactos das chuvas no próximo verão?
Marcelo - De curto prazo, remover qualquer obstáculo que represe o curso natural das águas em suas áreas de escape, "ressuscitando", se for o caso, antigas lagoas drenadas a qualquer pretexto, ainda que isso possa vir a sacrificar poderosos interesses econômicos. De médio prazo, retificar eventuais estradas que tenham sub-dimensionado a vazão dos cursos dágua que eventualmente cortem, substituindo, se for o caso, manilhas por bueiros celulares e até estes por pontes. De longo prazo, remover todas as famílias que construíram casas em áreas de risco, também objeto de invasão. Mas esta tem que ser a última ação, porque aí há um interesse social subjacente; não um mero interesse econômico, espúrio, consistente em invadir um bem público e dele se apropriar para explorá-lo economicamente e acumular riqueza indevidamente.
Folha - Em outro caso de crime ambiental de grande repercussão, o vazamento de lixívia negra da Cataguazes no rio Pomba, e deste ao Paraíba do Sul, ainda em Minas Gerais, foi notória sua discordância com o procurador da República de Campos, Eduardo Santos Oliveira, que optou por um apaziguador Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), enquanto você cobrava abertamente o recrudescimento com a indústria poluidora. No caso dos diques da Lagoa Feia, no entanto, Eduardo talvez tenha sido seu maior parceiro, ao conseguir na Justiça Federal aquilo que os juízes estaduais da comarca pareciam reticentes em conceder. Quem mudou? Eduardo ou você?
Marcelo - É verdade. Tivemos divergências sim, inclusive públicas, não há como negar. No entanto, essas divergências são absolutamente normais entre os operadores do Direito, que expressam pontos de vista nem sempre coincidentes sobre determinado assunto. Nenhum de nós é dono da verdade e cada um pode ter a sua própria visão sobre que ação seria mais indicada a partir de um determinado problema. O Eduardo é um Procurador da República excelente, em todos os sentidos: sério, corajoso, destemido, que já prestou e tem prestado relevantíssimos serviços para Campos. Admiro muito seu trabalho. E nesta ação dos diques ele foi um grande parceiro; aliás, um grande protagonista. Embora nós não tenhamos conversado sobre isso, penso que essa aproximação foi uma oportunidade para que pudéssemos apagar qualquer rusga que possa ter ficado em virtude daquelas divergências, que eu já até havia me esquecido. Tenho certeza de que ele também.
Folha - Ao classificar de "grileiros" e "ladrões de áreas públicas" os produtores rurais do entorno da Lagoa Feia, você não acabou servindo mais à veemência que ao seu objetivo real? Não poderia agir de uma maneira mais elegante? É questão de tática ou estilo?
Marcelo - Admito que os adjetivos utilizados não foram muito elegantes, mas, naquele momento, julguei que eram necessários, sobretudo quando me vi sozinho, quando percebi a Serla hesitando em dar prosseguimento às ações e antes de me afinar com o Ministério Público Federal. Era preciso, então, mostrar a todos a dimensão do problema e apontar onde estavam as soluções imediatas. E não havia como fazer isso com sofismas, eufemismos e meias-palavras. Os adjetivos podem ter sido duros. Já admiti que foram deselegantes. Mas, continuo esperando as escrituras.
Fonte- Folha da Manhã.
Marcelo Lessa - No que depender de mim, sim. Cuidam-se de construções ilegais, porque não autorizadas pelo órgão ambiental e, além disso, destinadas a proteger propriedades que foram surrupiadas da Lagoa, portanto áreas públicas, não passíveis de expropriação. Não tenho, ainda, a noção exata de quantos diques existem, porque, com a elevação do nível da Lagoa, muitos podem estar submersos. No entanto, assim que estiverem à mostra, no que depender de mim, envidarei todos os esforços junto aos órgãos competentes para que esses diques sejam também demolidos, com o apoio do Ministério Público Federal. Estou convencido de que essas ações foram fundamentais para que a água em Ururaí e Lagoa de Cima baixasse e, com isso, beneficiasse milhares de pessoas que tiveram suas casas invadidas pela água, em parte graças à construção desses diques irregulares, o que me parece ser uma constatação de uma obviedade que dói, custando a crer que algum técnico tenha a coragem de sustentar o contrário. Mas não é só isso, se os diques destruídos forem reconstruídos, prenderei em flagrante os pseudo-proprietários das terras, pelo crime ambiental respectivo. O mesmo farei, caso resolvam aumentar o tamanho dos outros diques que ainda não foram destruídos, por terem ficado submersos. Isto para manter a coerência das ações implementadas, que têm o aval da Justiça Federal de Campos (1ª Vara), que, inclusive, deferiu medida liminar em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, proibindo a reconstrução dos diques que foram explodidos. Enquanto esta decisão estiver valendo, me encarregarei pessoalmente de velar pelo seu cumprimento.
Folha - Na bacia da Lagoa Feia, as chuvas causaram impactos sem precedentes. Por quê?
Marcelo - Em parte, e eu não tenho a menor dúvida disso, graças aos diques que foram explodidos, que diminuíam a capacidade de expansão da Lagoa e, por conseguinte, represavam a água a montante, nas comunidades de Ururaí e Lagoa de Cima, mais especificamente. Tanto que, depois das explosões, as águas por aqueles locais baixaram rapidamente e, nem mesmo com as chuvas que voltaram a cair, fizeram o mesmo estrago que fizeram antes das explosões. Ao lado disso, o assoreamento do Canal das Flechas também contribuiu para o acúmulo da água, não se pode negar. E também não se pode esquecer que muitos dos que reclamam das conseqüências dessas enchentes estão com suas "propriedades" não na "bacia da Lagoa Feia" e, sim, dentro da Lagoa Feia, porque invadiram seu leito seco e construíram ou plantaram cana, ou mesmo passaram a colocar gado dentro de APP (Área de Proteção Permanente).
Folha - Não bastaria limpar o Canal das Flechas para lançar o excedente de água no mar?
Marcelo - E o que faríamos em relação aos diques irregularmente construídos, que tiveram impacto nas cheias? Simplesmente nos esqueceríamos deles? Deixaríamos o crime ambiental se perpetuar, por subserviência ao interesse econômico? Evidente que não poderíamos ser coniventes com isso. E limpar o Canal das Flechas, a ponto dele dar vazão ao escoamento da água, demandaria muito tempo, como, aliás, está sendo feito até hoje e ainda não acabou. E enquanto isso? Deixaríamos as comunidades de Ururaí e Lagoa de Cima com água dentro de suas casas? Deveríamos ter sacrificado os interesses deles para prestigiar o interesse econômico de plantadores de cana e criadores de gado que invadiram áreas públicas? Isso não seria um papel digno de um promotor de Justiça. Lembro que, após as explosões dos diques, a água baixou de um dia pro outro, o que, por si só, já justifica as ações tomadas. Nessa perspectiva, também foram ações de Defesa Civil, lastreadas na premissa do estado de necessidade. Perguntem para as comunidades de Ururaí e de Lagoa de Cima se o que eu fiz não resolveu o problema deles. É isso que me importa. Eles são os maiores avalistas do acerto dessas ações.
Folha - Como ficou a bacia da Lagoa Feia depois de ter passado o momento agudo?
Marcelo - A Lagoa retomou o espaço que sempre lhe pertenceu e, se invadiu alguma propriedade, não foi por causa dos diques que nós explodimos. Tenho recebido manifestações da comunidade de Ponta Grossa dos Fidalgos, agradecendo pelas ações e afirmando que, não fosse a explosão dos diques, eles teriam ficado com suas casas submersas, porque a água que desceu para a Lagoa Feia seria represada nos diques explodidos e, obviamente, vazaria para Ponta Grossa, que não tinha dique para lhe proteger.
Folha - E as estradas BR 101 e dos Ceramistas, contribuíram para agravar a situação?
Marcelo - A BR 101 é a principal via de ligação do país. A manter a BR 101 ou os diques, é óbvio que a BR 101 atende a interesses muito mais defensáveis do que os dos supostos proprietários das terras públicas. Até hoje não apareceram as escrituras. Cadê elas? Por que, ao invés de reclamarem tanto, não mostram as escrituras dessas terras? Respondo: porque não as possuem. Tenho essa informação dos cartórios de registro de imóveis, tanto de Campos, como de Quissamã. Até a Estrada dos Ceramistas atende a interesses mais defensáveis do que esses, porque desafoga o tráfego pesado do centro de Campos. No entanto, essa estrada, a dos Ceramistas, é alvo de um inquérito civil no Ministério Público, que eu presido, com o objetivo de, nas reformas que virá a sofrer, se adequar de modo a não contribuir para o alagamento.
Folha - Cardoso Moreira e Três Vendas viveram um drama social muito intenso. Por que exatamente esses núcleos urbanos?
Marcelo - Quanto a Cardoso Moreira, não posso falar muita coisa, porque não pertence a minha área de atuação. No entanto, acompanhei de perto a situação de Três Vendas. Pelo que pude perceber, trata-se de uma comunidade situada numa área baixa. O rio Muriaé encheu muito e ultrapassou um dique de contenção da usina Sapucaia. Daí, a água entrou forte e passou sobre a BR 356. Para piorar, a válvula de escape consista em manilhas, com vazão muito pequena. A água só escoou após a abertura de uma vala na BR 356, que foi autorizada pelo Dnit. Depois ela teve que ser fechada, porque o rio Muriaé voltou a subir, só sendo possível reabri-la já no início deste ano. E aí a água escoou em um ou dois dias. A solução para eles seria a remoção de lá ou, então, a elevação do nível a BR 356, o que funcionaria com um outro dique de contenção. Aliás, toda a estrada não deixa de ser um dique. E, no lugar das manilhas, a substituição por bueiros celulares, o que também me havia sido prometido pelo então superintendente do Dnit no Estado do Rio de Janeiro.
Folha - Numa notificação sua ao Ministério Público Estadual, várias lagoas que foram apropriadas para a lavoura e a pecuária eram áreas de escape de cheias e agora estão bloqueadas. A informação é procedente?
Marcelo - Existem inquéritos civis na minha Promotoria que apuram isso. Determinei a realização de perícia e, se constatar que eram lagoas que foram apropriadas irregularmente para plantação, perdendo sua função de áreas de escape das águas e, por conseguinte, contribuindo para a inundação de assentamentos urbanos vizinhos. Envidarei todos os esforços para remover qualquer obstáculo que esteja impedindo o acúmulo de água em sua bacia original, como diques, por exemplo, fazendo o mesmo que fiz com relação aos diques da Lagoa Feia. Lagoa é área pública e, por conseguinte, não pode ser objeto de apropriação por parte de terceiros. Isto é um ilícito ambiental, além de ser uma grande cara de pau.
Folha - Você foi procurado por representantes de várias comunidades. Uma, em particular, a da Lagoa das Pedras, chamou sua atenção. Por quê?
Marcelo - Segundo essa comunidade, ela estaria sendo vítimas dessa possível apropriação do que seria a antiga Lagoa das Pedras, para fins de lavoura de cana-de-açúcar. Como eu disse, a matéria é alvo de inquérito civil, com perícia para ser realizada, não se tendo, ainda, uma conclusão definitiva a esse respeito. Assim que eu a tiver, adotarei as providências cabíveis.
Folha - No seu entender, que medidas devem ser tomadas para evitar ou atenuar os impactos das chuvas no próximo verão?
Marcelo - De curto prazo, remover qualquer obstáculo que represe o curso natural das águas em suas áreas de escape, "ressuscitando", se for o caso, antigas lagoas drenadas a qualquer pretexto, ainda que isso possa vir a sacrificar poderosos interesses econômicos. De médio prazo, retificar eventuais estradas que tenham sub-dimensionado a vazão dos cursos dágua que eventualmente cortem, substituindo, se for o caso, manilhas por bueiros celulares e até estes por pontes. De longo prazo, remover todas as famílias que construíram casas em áreas de risco, também objeto de invasão. Mas esta tem que ser a última ação, porque aí há um interesse social subjacente; não um mero interesse econômico, espúrio, consistente em invadir um bem público e dele se apropriar para explorá-lo economicamente e acumular riqueza indevidamente.
Folha - Em outro caso de crime ambiental de grande repercussão, o vazamento de lixívia negra da Cataguazes no rio Pomba, e deste ao Paraíba do Sul, ainda em Minas Gerais, foi notória sua discordância com o procurador da República de Campos, Eduardo Santos Oliveira, que optou por um apaziguador Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), enquanto você cobrava abertamente o recrudescimento com a indústria poluidora. No caso dos diques da Lagoa Feia, no entanto, Eduardo talvez tenha sido seu maior parceiro, ao conseguir na Justiça Federal aquilo que os juízes estaduais da comarca pareciam reticentes em conceder. Quem mudou? Eduardo ou você?
Marcelo - É verdade. Tivemos divergências sim, inclusive públicas, não há como negar. No entanto, essas divergências são absolutamente normais entre os operadores do Direito, que expressam pontos de vista nem sempre coincidentes sobre determinado assunto. Nenhum de nós é dono da verdade e cada um pode ter a sua própria visão sobre que ação seria mais indicada a partir de um determinado problema. O Eduardo é um Procurador da República excelente, em todos os sentidos: sério, corajoso, destemido, que já prestou e tem prestado relevantíssimos serviços para Campos. Admiro muito seu trabalho. E nesta ação dos diques ele foi um grande parceiro; aliás, um grande protagonista. Embora nós não tenhamos conversado sobre isso, penso que essa aproximação foi uma oportunidade para que pudéssemos apagar qualquer rusga que possa ter ficado em virtude daquelas divergências, que eu já até havia me esquecido. Tenho certeza de que ele também.
Folha - Ao classificar de "grileiros" e "ladrões de áreas públicas" os produtores rurais do entorno da Lagoa Feia, você não acabou servindo mais à veemência que ao seu objetivo real? Não poderia agir de uma maneira mais elegante? É questão de tática ou estilo?
Marcelo - Admito que os adjetivos utilizados não foram muito elegantes, mas, naquele momento, julguei que eram necessários, sobretudo quando me vi sozinho, quando percebi a Serla hesitando em dar prosseguimento às ações e antes de me afinar com o Ministério Público Federal. Era preciso, então, mostrar a todos a dimensão do problema e apontar onde estavam as soluções imediatas. E não havia como fazer isso com sofismas, eufemismos e meias-palavras. Os adjetivos podem ter sido duros. Já admiti que foram deselegantes. Mas, continuo esperando as escrituras.
Fonte- Folha da Manhã.
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