O passe de Léo Moura foi primoroso. A bola chegou até Deivid na bandeja, com talheres de prata e guardanapo de linho egípcio. Não havia adversários à frente. O goleiro estava batido. Ninguém pra atrapalhar. A trave ali, convidativa, escancarada. Um sopro faria a bola rolar, docemente, até o fundo da rede.
Criou-se para Deivid um dilema hamletiano: ou faço o gol ou faço o gol. E ele optou pela única alternativa não disponível. O torcedor vascaíno pôs-se a urrar o nome do ex-rival, em feérica louvação coletiva.
O pedaço flamenguista das arquibancadas deu razão a Dostoiévski: se Deus não existe, tudo é permitido. Se um jogador perde um gol como aquele, extinguem-se todos os valores morais sobre a Terra. Podemos invadir os asilos para esganar os velhinhos.
Impossível ler o noticiário esportivo sem tropeçar no nome de Deivid. O Vasco prevaleceu sobre o Flamengo por 2 a 1. Três gols na partida. E não se fala senão no gol que foi jogado pela janela. Todo mundo se pergunta: Por quê?
Eis a resposta: a bola não aceita desaforo. E Deivid a ofendeu. O gol pareceu-lhe tão feito que ele, como que idealizando o vôo dos companheiros sobre seus ombros, esqueceu de dar tratos à bola. E ela, caprichosa e birrenta, preferiu beijar a trave a balançar o véu da noiva.
Muita gente deve ter cruzado a madrugada sentado no meio-fio, chorando. Quanto a Deivid, há de ter sonhado com um exílio de Gonçalves Dias. Durante muito tempo, os urubus que aqui gorjeiam irão despejar sobre seus ouvidos grunhidos de mau agouro.
Josias de Souza
Jornalista
Um comentário:
"Podemos invadir os asilos para esganar os velhinhos."
??????????????????????
Isso não!!!
Ele pode comer a bola se ele quiser, mas nunca!... esganar os velhinhos.
Que isso Doutor???!!!
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