César Ronald
Opinião e Notícia – Condenado por participar do mensalão, o deputado José Genoino está preso. E até com problemas de saúde. O senhor conheceu o Genoino?
Cesar Ronald – Em 1968, o movimento estudantil no Brasil tinha representatividade política bastante forte. E apesar dessa força, ele era fragmentado em várias tendências. E o Genoino era líder de umas dessas tendências. José Dirceu e Vladimir Palmeira lideravam a Tendência Socialista. Já eu e o Marcos Medeiros pertencíamos a uma terceira que se chamava Tendência Revolucionária, ligada a Apolônio de Carvalho.
Opinião e Notícia– E a do José Genoino?
Cesar Ronald - A dele era ligada ao PC do B.
Opinião e Notícia – Quais desses grupos pegavam em arma?
Cesar Ronald – Menos o grupo do Dirceu e o Vladimir Palmeira, que eram tendências socialistas. Eles acreditavam que havia uma situação socioeconômica já madura para uma revolução socialista. Para eles, não dependia do movimento estudantil, não dependia da chamada pequena burguesia – movimento tipicamente da classe operária, consequentemente, um movimento urbano. E, além do Genoino, tinha uma outra força também muito importante no movimento estudantil, chamada Ação Popular – que era comandada pelo Luís Travassos (que foi presidente da UNE) e Jean Marc Van der Weld – que tinha uma estratégia semelhante à do Genoino, ou seja, todo o país tinha interesse contra o capital internacional. Então, propunha utilizar métodos mais duros, mais violentos, mas como estratégia de organizar, tudo isso juntamente com o empresariado nacional.
Opinião e Notícia – O senhor pegou em arma?
Cesar Ronald – (risos) Em determinado momento sim. Isso foi inevitável, pois estava sob o risco de vida. Nós tínhamos algumas atividades que implicavam na nossa permanência no Brasil e todos nós tínhamos convicção de que – se fossemos presos – nós seriamos torturados até a morte. Então, pegar em arma era muito mais uma defesa do que uma tática de ataque. Era a certeza de que a gente não correria o risco da tortura para entregar os companheiros.
Opinião e Notícia – Como o senhor acabou preso?
Cesar Ronald - No final de 1968, a UNE convocou um congresso, realizado em um sítio em Ibiúna, em São Paulo, para a eleição da nova diretoria. E esse congresso foi escolhido em uma região rural isolada e lá reuniam os representantes de todas as faculdades do país. Eram mais de mil estudantes reunidos em um sítio. Era impossível que isso não acabasse sendo do conhecimento das forças, da repressão, dos militares e de tudo isso. Então havia um comando organizacional desse congresso do qual faziam parte o José Dirceu, Vladimir Palmeira, Luís Travassos, Jan Marc, Jose Genoíno, Marcos Medeiros e eu. Havia dois companheiros de cada uma dessas tendências na organização do congresso. E foi nesse congresso que fui preso. Acredito que tenha sido em outubro de 1968.
Opinião e Notícia– O senhor foi para cela direto com José Genoino?
Cesar Ronald – Foram 22 pessoas detidas em São Paulo. O Genoino, o Dirceu, o Vladimir, o Travassos, eu, o Jean Marc, o Marcos Medeiros e mais alguns companheiros do Nordeste e de Minas Gerais. Ficamos juntos em um determinado tempo, mas logo fomos separados para que ficássemos em celas diferentes, inclusive em órgãos de repressão diferentes. E os demais foram liberados poucas semanas depois. Esses 22 ficaram presos mais tempo.
Opinião e Notícia– Mas o senhor não ficou na cela com o Dirceu, apenas com o José Genoino?
Cesar Ronald - Fomos juntos no ônibus e logo nos separaram.
Opinião e Notícia– Como era o Dirceu e como era o Genoino?
Cesar Ronald - Independentemente das questões políticas, havia uma característica marcante na personalidade do Dirceu que não era uma coisa simpática. Embora eu tenha pelo Dirceu um respeito muito grande, pelo homem público, pelo militante, desde aquela época ele era muito soberbo, remplis de soi même(expressão francesa que significa “cheios de si”), com uma empáfia muito acentuada. Eu acredito que essa antipatia tenha contaminado o ambiente político brasileiro em relação a ele no que chamam midiaticamente de mensalão. Já o Genoino era um nordestino simpático, alegre, porém, também um pouco vaidoso das suas particularidades como orador, da sua capacidade intelectual. Genoino era um rapaz muito inteligente, letrado, assim como o Dirceu.
Opinião e Notícia– O senhor disse: “Que chamam midiaticamente de mensalão”. Na sua avaliação, eles são vítimas da mídia, do STF ou eles de fato se envolveram em negociatas de poder?
Cesar Ronald - Um pouco de cada coisa. Em primeiro lugar, é preciso dimensionar o mensalão. Para que você tenha uma ideia, o que há de documentação referente ao mensalão não chega a R$ 100 milhões. O escândalo P.C. Farias, do governo de Collor — muito antes do Collor ter sido impedido – já tinha atingido R$ 1 bilhão de propina. Segundo minhas fontes e os artigos que li, a privatização do Fernando Henrique Cardoso e a reeleição dele também atingem números que chegam a US$ 1 bilhão. O escândalo dos auditores de uma prefeitura de São Paulo já está em R$ 500 milhões. O mensalão inteiro teve documentação de R$ 30 milhões. Ou seja, bem dimensionado – diante da tradição desse país de negociatas, de negócios da área dos governos federal, estadual, municipal — o mensalão é uma gota de água insignificante, embora seja moralmente inaceitável.
Opinião e Notícia– Mas o mensalão é muito mais que um fenômeno de mídia. Envolve a compra de políticos.
Cesar Ronald - A questão do mensalão tornou-se uma questão midiática por ter sido do PT, que sempre foi — digamos — um alicerce da defesa da ética política. Então, ainda que tenha sido financeiramente, algo que ocorre rotineiramente no ambiente político brasileiro tornou-se um escândalo por ter sido do PT. Tanto é assim que provavelmente as questões das privatizações e da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, que custaram muito mais, não devem ter ocupado 1% do tempo de rádio e televisão ou da imprensa.
Opinião e Notícia– Não teria se tornado um evento midiático na medida em que foi denunciado de dentro para fora?
Cesar Ronald – Sim, é possível. Pois quem levantou as questões do escândalo da prefeitura de São Paulo foram os órgãos responsáveis, a Polícia Federal e o Ministério Público. E no mensalão, foi o Roberto Jefferson, um dos participantes que denunciou o esquema, com mandato, que tem acesso à mídia, organizou a cena da denúncia. Isso tudo deve ter influenciado. Mas o que influenciou decididamente foi de ter sido um fato envolvendo o PT.
Opinião e Notícia– Voltando a 1968, quando o senhor ‘caiu’, em outubro, quanto tempo ficou preso?
Cesar Ronald – Nesse episódio, eu fiquei preso por três meses. Eu havia estado preso antes, consegui minha liberdade por meio de habeas corpus e, posteriormente, fui preso novamente em São Paulo, onde fiquei mais três meses.
Opinião e Notícia– O senhor foi torturado nessa época?
Cesar Ronald – Não. Eu sofri violência física, mas não a tortura sistemática. A tortura sistemática é feita planejadamente para obter informações. Eu sofri violência, porque eu era jovem de 19 anos. Quando se é jovem, a gente é menos tolerante com o autoritarismo pessoal, do que quando se é mais maduro. E eu me neguei a aceitar algumas decisões que o Exército tomou a meu respeito, com relação a minha pessoa e aparência física. Enquanto estive preso, me mandaram, por exemplo, cortar o cabelo. Reagi e disse que era um preso político e poderia usar o cabelo no tamanho que eu quisesse e bem entendesse. Então, eles me agarraram pelo cabelo e me arrastaram pelo pátio do quartel e cortaram o meu cabelo à força, com momentos de violência física, com socos, pontapés, tudo isso. Mas isso é diferente da tortura sistemática, que tinha pau de arara, choque elétrico. E eu não cheguei a passar por isso, porque quando saí da prisão fui para clandestinidade. Fiquei um ano sem documentos. Nesse período, participei de ações armadas. E depois de um ano, fui embora do Brasil.
Opinião e Notícia– Naquele dia, na prisão em outubro, dos três que o senhor conhece bem – um é o senhor, o outro é o Genoino e o outro é o José Dirceu – qual dos três o senhor acha que mais se afastou dos ideais daquela época e qual se manteve mais próximo dos mesmos ideais?
Cesar Ronald – Eu não tenho mais vida de militância política nos dez últimos anos, mas eu vivo com os mesmos ideais que eu defendia na Universidade Pública com 18 anos de idade. Eu defendo hoje a saúde publica, com a mesma garra, com o mesmo entusiasmo, com o mesmo comprometimento de quando lutava pela Universidade Pública. Só que me afastei da militância eleitoral, porque nesse aspecto eu fiz uma opção mais egoísta. Se tiver uma reunião com dez ministros, na segunda-feira, às 9h da manhã ou às 7h da noite, e tiver uma festinha de um dos meus netos na escola, pode ter certeza que eu vou procurar saber o resultado dessa reunião posteriormente. Eu tenho uma opção nos últimos dez, 20 anos da minha vida, de viver os meus filhos, meus netos e de viver a minha profissão. Eu vivo medicamente, ou então em casa.
Opinião e Notícia– Ao responder dessa forma o senhor deixou 66% dos envolvidos para a segunda parte da pergunta. Qual dos dois efetivamente se perdeu?
Cesar Ronald – Não creio que nenhum dos dois tenha perdido a questão central dos ideais trabalhistas ou nacionalistas. Mas creio que ambos se contaminaram pelo mundo político brasileiro. Só que hoje, eles conheceram e manipularam para se manter no poder e fazer uma política de justiça social. Só que a maioria da população acredita que os fins não justificam os meios.
O&N – As mesmas pessoas que talvez fossem comemorar a prisão dos mensaleiros não foram às ruas soltar fogos. Ninguém ficou feliz com essa situação. Qual foi o seu sentimento?
Cesar Ronald – De frustração. Não que eles não merecessem punição, mas porque esses membros do STF, do Ministério Público não tiveram a mesma galhardia de comportamento se fosse o Fernando Henrique Cardoso, ou caso se tratasse do Fernando Collor de Melo ou de alguém das classes dominantes – que mantêm o executivo eventualmente à esquerda ou à direita, a serviço dos bancos, contra o trabalhador brasileiro e contra a população. Lula não ganhou uma revolução, Lula ganhou uma eleição em que ocupou o Executivo com esses mesmos Legislativo e Executivo que estão aí. Com o mesmo José Sarney. Hoje, o Lula é obrigado a compor em certos estados com seus mais perrengues adversários. Senão, ele não promoveria a justiça social que vem fazendo nesse país. Eu não sou Lulista, sempre fui mais ligado ao Leonel Brizola, que era um sujeito aguerrido e retilíneo. O Jango era homem de igual valor moral mas não era aguerrido para a luta. Se fosse depender de passar com o carro por cima de um gatinho, o Jango atrasaria uma manifestação por que era muito bondoso, tinha mais coração. Era generoso. O Brizola era mais disciplinado na questão de alcanças seus objetivos.
Opinião e Notícia– É mesmo verdade que ele deixou o país vestido de mulher? (risos)
Cesar Ronald – A direita do país sempre foi extremamente eficiente. O pecado da esquerda foi não reconhecer a inteligência da direita. Como desmoralizar o Brizola? Dizendo que ele era corrupto, ladrão? Todo mundo sabia que ele não era. A única solução foi a de lhe aplicar a pecha de ter deixado o país vestido de mulher. Havia uma máquina de espalhamento e dispersão de boatos. Fantasiar-se de mulher seria uma saída covarde, mas não há nenhuma verdade nessa afirmação. Artistas de esquerda – ou qualquer pessoa que fosse contra o regime – eram desmoralizados como maconheiro ou homossexual. A direita sempre foi muito eficiente em trabalhar no inconsciente da população e desmoralizar os opositores. Esta foi sempre a estratégia de atacar os que se opunham à ditadura.
Opinião e Notícia– Ao eleger o Genoino e outros políticos, o brasileiro confirma a máxima de que não sabe votar?
Cesar Ronald - Nosso legislativo é capaz de dar um milhão de votos a Tiririca e arrastar com eles os verdadeiros interessados em se eleger. O Tiririca foi eleito movido por uma máquina de esquema financeiro. Já o capitão Sérgio Macaco não conseguiu se eleger.
Opinião e Notícia– O senhor se refere a Sérgio Carvalho…
Isso. O último herói brasileiro não conseguiu votos suficientes. Esse capitão do Exército recebeu a ordem de explodir o gasômetro — ali ao lado da Rodoviária Novo Rio. Imagine a tragédia. O ataque tinha como estratégia matar milhares de inocentes para incriminar os comunistas e justificar, assim, uma matança generalizada – como fez no Chile o Pinochet. Sérgio Macaco recusou-se a obedecer a ordem de seu comandante. Ele arriscou sua patente de capitão, a ser preso e perder uma atividade militar – pois foi colocado na reserva. Ele cometeu esse ato heroico mas não conseguiu votos para deputado federal. O povo elege Tiririca, José Sarney e Fernando Collor mas deu as costas ao mais recente herói brasileiro.
Matéria do jornalista Cláudio Carneiro
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