domingo, 18 de março de 2018

A salvação de Anderson Pedro


Por Cláudio Andrade.

O motorista Anderson Pedro foi assassinado na última semana junto com a vereadora do PSOL Mariele Franco. Ele, baleado nas costas e ela na cabeça, em um crime que caminha para uma conclusão estarrecedora: execução.
Após a confirmação da morte dos dois iniciou-se nas redes sociais a construção de um muro: de um lado aqueles que dizem que a morte da vereadora é apenas mais uma estatística e que o ato não merece muita repercussão por ser ela da ‘favela’ e ‘apoiadora da bandidagem’.
Do outro lado do muro estão os militantes dela, do PSOL e de todos que acreditam que a morte dela, por execução, juntamente com o seu motorista, foi fruto de sua atuação como vereadora e das suas ações de enfrentamento contra PMs que, segundo a própria legisladora, cometiam atos de truculência contra inocentes na Maré, dentre outras arbitrariedades.
Deixando de lado os gladiadores do muro fictício, que acima descrevemos, tratar a morte de Mariele como um crime comum é desejar que ninguém descubra quem matou Anderson Pedro.
Anderson morreu, pois, estava no lugar errado e na hora errada, certo? Claro, contudo, sem a morte da vereadora o crime contra Anderson não teria a investigação que está tendo e as chances da autoria ser descoberta seria quase zero.
Anderson, alvejado e morto enquanto dirigia nas proximidades do Estácio. Status do caso: elucidação quase impossível.
A morte da vereadora, que poderá desvendar a morte de Anderson, também descortinou o abismo que existe entre o que se fala e o que se pratica.
A desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ex-procuradora do Estado, que entrou no TJ pelo quinto constitucional, em postagem no Facebook, Marília Castro Neves, acusou Marielle Franco de ter pertencido ao Comando Vermelho.
Segundo a desembargadora, ela teria sido executada por ter descumprido compromissos com o CV. “Qualquer outra coisa diversa é ‘mimimi’ da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”.
Depois da repercussão negativa da postagem, Marilia fechou o conteúdo do seu perfil, mas não a tempo de sua manifestação ser copiada.
A opinião dela é livre, mas será que, enquanto servidora, e diante de um processo que precisa sentenciar, qual a desembargadora que devemos aguardar? Essa, com ‘sangue nos olhos’ e que odeia pessoas como Mariele, ou uma julgadora  serena e imparcial, que deve condenar segundo as provas dos autos?
Pois é, nobre leitor, que morte danada. Ao mesmo tempo trouxe para o debate os ativistas, o Judiciário, a Polícia Federal, o MP, as Forças Armadas e um punhado de gente perigosa que não se emociona muito quando alguém, que não é comum, leva tiros na cabeça por estar incomodando algum ‘sistema’, dentre os milhares que existem nessa nossa sociedade maquiavélica.
No entanto, nem toda terra é tão desértica que não possa brotar uma flor. Graças à morte da vereadora - pessoa pública, eleita com mais de quarenta e cinco mil votos e relatora da comissão da Câmara Municipal, para fiscalizar a intervenção militar no estado - Anderson Pedro poderá ter, ao contrário de milhares de outros cadáveres, a chance da sua morte  ser desvendada, afinal, era um cidadão comum no carro de uma pessoa pública.


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