Foto: Revista Época
"Em verdadeiras operações de guerra, com tanques da Marinha e militares do Exército, o poder público retomou o controle de favelas cariocas dominadas por criminosos. De 2008 até hoje, foram reconquistadas 252 comunidades, onde vive 1,5 milhão de pessoas. Antes dessas ações, as áreas eram territórios de traficantes e milicianos, que desfilavam com fuzis e metralhadoras na mão. Para evitar que a bandidagem voltasse ao poder, o governo do Rio de Janeiro instalou Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos principais morros retomados. Já há 36 UPPs com 9 mil policiais militares. Nestes seis anos, os homicídios diminuíram 65% nas comunidades ocupadas. Apesar das batalhas vitoriosas, a guerra não está ganha. Há muitas favelas para ocupar e, mesmo nas comunidades já retomadas, os bandidos ainda sonham em reconquistar os territórios perdidos. Mais recentemente, os criminosos passaram a adotar a tática de guerrilha. Em ataques-relâmpago contra as UPPs, disparam tiros de fuzil, granadas e coquetéis molotov.
As autoridades já esperavam essas dificuldades. A surpresa são os novos inimigos: os sabotadores da pacificação. O objetivo desse grupo também é territorial, mas no campo político. Suas armas são as ameaças, a perseguição, a produção de dossiês e uma série de outros artifícios para instalar o medo na população e desacreditar a segurança pública. Esses agentes do subterrâneo têm endereço conhecido e comando estabelecido. Eles operam num bunker na Rua Senador Dantas, no centro do Rio de Janeiro. Na liderança do grupo, estão o ex-governador Anthony Garotinho e o ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins.
Pré-candidato a governador do Rio de Janeiro, Estado que já administrou de 1999 a 2002, Garotinho chama a ação nas favelas de “farsa da pacificação”. Seu objetivo é minar a administração de Sérgio Cabral, seu principal adversário político, e atacar sua maior conquista, o programa das UPPs, que reduziu os homicídios na capital em 48%. Se a coisa ficasse apenas no plano eleitoral, seria do jogo. Mas Garotinho extrapolou. Por meio de seu blog, ele divulga dossiês contra o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. A torrente de acusações foi tamanha que, no ano passado, Beltrame entrou com uma queixa no Supremo Tribunal Federal. Na ação judicial, Beltrame afirma que os ataques contra ele ameaçam sua credibilidade e reputação diante da polícia. “O blog é um permanente corpo de delito”, diz a queixa ao STF.
Um dos materiais publicados – no caso, como forma de intimidação – inclui uma série de fotos do carro de um empresário, apontado como dono do apartamento onde mora Beltrame. Com cópia da guia de IPVA e identificação do proprietário do veículo, a escritura do imóvel e fotos da fachada do prédio. O dossiê sugere que Beltrame não paga aluguel pelo imóvel. Noutro episódio, Garotinho reuniu uma extensa papelada, incluindo documentos internos da PM, para atacar a compra de novos carros de polícia pelo governo. Na queixa que encaminhou ao STF, Beltrame contesta todo o material e aponta várias inconsistências.
Nem todo o material reunido pela equipe do bunker vai para o blog. Boa parte alimenta a rede de intrigas de Garotinho. Dossiês, como os produzidos contra Beltrame, exigem o trabalho subterrâneo de arapongagem. É a missão de ex-policiais que trabalham no bunker, demitidos por corrupção ou aposentados. Eles são ligados ao ex-delegado Álvaro Lins, chefe da Polícia Civil entre os anos de 2000 e 2006 nos governos do casal Garotinho e Rosinha Matheus. Acusado de lavagem de dinheiro, corrupção e formação de quadrilha armada, Lins foi condenado pela Justiça Federal a 28 anos de prisão em 2010. O Ministério Público Federal diz que, na época em que chefiava a polícia, ele protegia a máfia dos jogos caça-níqueis. No mesmo processo, Garotinho amargou uma pena de dois anos e seis meses por formação de quadrilha. O recurso contra a sentença será julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Mesmo depois de ter deixado o governo varado de denúncias, Lins nunca se afastou de Garotinho. Mantém até hoje uma relação de subordinação a ele. Os dois respondem a um inquérito por compra de votos nas eleições de 2006. Na ocasião, a Polícia Federal interceptou diversos diálogos entre eles. Numa das conversas – inéditas até hoje e às quais ÉPOCA teve acesso –, Lins se refere a Garotinho como “chefe” (ouça os áudios abaixo). Segundo a Procuradoria-Geral da República, Garotinho, Lins e o deputado estadual Geraldo Pudim tramaram um esquema de corrupção eleitoral. O governo de Rosinha Garotinho, mulher de Garotinho, e então governadora, se comprometeria a convocar 1.774 aprovados no concurso público para investigador da Polícia Civil. Antes da convocação, porém, os concursados teriam de trabalhar como cabos eleitorais, pedindo votos. Naquela época, Lins era candidato a deputado estadual, e Pudim concorria a uma cadeira na Câmara Federal.
Em outubro de 2011, Lins mais uma vez seguiu Garotinho, cerrando fileira no PR. Na mesma época, passou a frequentar uma empresa de auditoria e investigação chamada Acarpi, cujo endereço fica num prédio discreto no centro do Rio de Janeiro. Os corredores sem movimento dão a impressão de que as salas estão vazias. O dono da empresa, o ex-policial e advogado Carlos Azeredo, trabalha a todo vapor para atazanar a vida de Beltrame e a cúpula da Secretaria de Segurança Pública, movendo processos judiciais. Azeredo é filiado ao PR, partido de Garotinho, desde agosto de 2011.
Procurado por ÉPOCA, Lins disse que conversa com Garotinho apenas para tratar de processos judiciais. Ele afirma ainda que a sentença de 28 anos de prisão e a acusação de compra de votos foram motivadas por dossiês de delegados da Polícia Civil. “Não há ninguém contra a pacificação, mas existem pessoas contra o preço pago para promover isso”, disse Lins. O advogado Carlos Azeredo diz que Lins apenas frequenta seu escritório. “Sou advogado, e não informante do Garotinho”, afirma Azeredo. A assessoria de Garotinho informou que não conseguiu falar com ele.
BRUTALIDADE
A policial Alda Castilho, de 26 anos. Ela foi assassinada na semana passada com um tiro nas costas, um crime brutal perpetrado por bandidos que são contra as UPPs .
Em agosto de 2013, o Ministério Público estadual denunciou o pastor evangélico Marcos Pereira da Silva e o traficante Márcio Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP, por tráfico e associação ao tráfico de drogas. A denúncia diz que ataques ao Morro do Alemão, em maio do ano passado, ocorreram por ordem de Marcinho, em represália à prisão do pastor Marcos. Segundo a Promotoria de Justiça, Marcos atuava como “pombo-correio” dos bandidos presos. Entrava no presídio a pretexto de evangelizar os detentos e anotava ordens dos chefões para levar aos criminosos nas favelas. Nas rebeliões em presídios, a ordem era “entregar a cadeia” ao pastor. Foi nas gestões Garotinho e Rosinha que ele se legitimou como interlocutor dos presos e mediador com o Estado, especialmente depois de ter negociado a rendição dos criminosos numa rebelião, em 2004, no governo Rosinha. Em 2013, Marcos foi preso e condenado a 15 anos por estupro, após denúncias do coordenador do AfroReggae, José Júnior. Como reação, a cúpula da facção criminosa determinou ações contra a sede do AfroReggae e o expulsou do local.
Marcos também mantinha uma atuação política até ser preso. Nas eleições de 2010, subiu ao palanque de Garotinho. Dois anos depois, recebeu adesão de Lins, que se declarou um “soldado da igreja” de Marcos. No ano passado, Marcos recorreu à Justiça para ser transferido para uma prisão especial. O pedido foi apresentado pelo advogado Carlos Azeredo, o mesmo da empresa de investigação que atazana a vida de Beltrame com processos judiciais.
Também captado nas escutas de 2006, o deputado Geraldo Pudim aparece hoje em outra frente. Um funcionário de seu gabinete, na Assembleia Legislativa, é suspeito de recrutar manifestantes para os protestos de rua de junho. Sebastião Rodrigues Machado Junior, conhecido como Nayt, é assessor parlamentar com um salário de R$ 8 mil. Ele também integra a direção estadual do partido de Garotinho. (O deputado Pudim afirma que seu assessor sofreu uma armação da delegacia que apura violência nos protestos de rua.) Os protestos contra o governador Sérgio Cabral terminaram em atos de quebra-quebra e confronto com a polícia. A Polícia Militar foi acusada de agir com violência. O desgaste levou à queda do comandante-geral, coronel Erir Ribeiro, em agosto passado, e teve impacto direto na pacificação – obrigada a policiar os protestos, a PM reduziu suas atividades nas UPPs.
A matéria da Época pode ser lida na íntegra AQUI
A defesa de Garotinho pode ser lida AQUI