A imprensa tem noticiado de forma bastante enfática a pressão exercida por suplentes de vereadores de todo o país sobre deputados e senadores para a aprovação da proposta de emenda constitucional que altera a composição das câmaras municipais, aumentando em mais de 7 mil o número de vereadores que integram as casas legislativas dos municípios, a chamada PEC dos Vereadores, afinal aprovada e promulgada na última quarta-feira (23).
Em muitos casos, chega-se até a indicar quem seriam os novos vereadores, ou seja, aqueles suplentes que seriam convocados a assumir as novas vagas, imediatamente após a promulgação da emenda constitucional, que mais corretamente poderia ser denominada PEC dos Suplentes de Vereadores.
Mas, a esperança nos aspirantes à nobreza edilícia ficará, com certeza, lançada muito mais à frente, ou seja, para as próximas eleições municipais, a serem realizadas em 7 de outubro de 2012. Ou seja, não adianta alimentar a expectativa de se ver suplente transformado em vereador e tomando posse no curso da atual legislatura, somente como consequência da aprovação da mencionada PEC. Isto não vai ocorrer.
Para que se compreenda a razão desse argumento é preciso se considerar que o sistema jurídico-constitucional vigente tem uma lógica e esta lógica precisa ser respeitada, sob pena de se ter atos inconstitucionais.
A respeito do aumento do número de vereadores com vigência em legislatura já iniciada e da convocação de suplentes para ocupar as novas vagas, existem inúmeras decisões jurisprudenciais de diversos tribunais de justiça dos estados. E existe, sobretudo, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornam a matéria inquestionável.
Numa dessas decisões, em acórdão que foi relatado pelo então ministro Oscar Corrêa, o STF concluiu pela "inconstitucionalidade de alteração posterior (do número de vereadores), para vigência na legislatura já iniciada, bem como da convocação imediata de suplentes para preencher as vagas decorrentes da modificação" (Rp 1209, relator ministro Oscar Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/1985, DJ 26-04-1985 PP-05888).
No mesmo processo em que foi proferido o citado acórdão, tem-se parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), transcrito no voto do relator, o qual assinala que "esse aumento do número de vereadores durante a própria legislatura importa em alterar diretamente a representação política do município, atentando, de forma flagrante, contra a sua autonomia. Se a Constituição Federal prescreve que os representantes políticos dos municípios sejam escolhidos mediante eleição direta (art. 15, I) em sufrágio universal e voto secreto (art. 148), torna-se evidente, que, uma vez definido o resultado das eleições e tendo início a legislatura, nenhuma lei pode alterar o número de vereadores, ainda que a pretexto de atribuir investidura política aos suplentes" (as referências são à Constituição de 1967).
O parecer da PGR traz, ainda, decisão anterior do STF no mesmo sentido, proferida na Representação nº 1.091-PA, relatada pelo então ministro Rafael Mayer, em que se afirmou taxativamente: "É inconstitucional a lei que dispõe sobre convocação de suplentes para completar vagas na mesma legislatura, posto que implica em alterar diretamente a composição política do município, com abstração do sufrágio direto e universal".
Ainda que, no caso em foco, se tenha uma emenda constitucional que, uma vez promulgada e publicada, irá alterar e integrar a própria Constituição Federal, o argumento a ser utilizado é o mesmo: não pode a emenda constitucional criar vagas de vereadores e prever o seu preenchimento destas na legislatura em curso, porque isto significaria "abstração do sufrágio direto e universal". Ou seja, quem não foi eleito vereador não pode ser transformado em vereador, nem mesmo por força de emenda constitucional.
Vale aqui observar que a Constituição Federal mantém os mesmos parâmetros da então vigente Constituição de 1967 quanto à forma de escolha dos vereadores, que deve se dar pelo voto direto e secreto, e acrescenta, ainda, em seu art. 16, que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
Algumas matérias jornalísticas, sites e blogs têm citado, nos últimos dias, o suposto resultado de uma consulta que teria sido formulada pelo deputado Gonzaga Patriota (PSDB-PE) ao Tribunal Superior Eleitoral para sustentar que o TSE teria entendimento de que a alteração do número de vereadores por emenda constitucional teria vigência imediata. Nada mais falso. Na consulta referida (Consulta 1421), segundo matéria publicada no site do TSE, o parlamentar indagou “se uma emenda constitucional, aprovada pelo Congresso, regulamentando o número de vereadores nas câmaras municipais, menos de um ano antes da eleição municipal, poderia ter efeito já no referido pleito municipal”.
Ao responder à consulta, o TSE adotou o voto do relator, ministro José Delgado, para responder a questão positivamente, afirmando que “a eventual alteração do número de vereadores, por emenda constitucional, tem aplicação imediata, não se sujeitando ao prazo de um ano previsto no artigo 16 da Constituição Federal”. Contudo, o ministro José Delgado ressaltou que “a data-limite para a aplicação da emenda para as próximas eleições municipais deve preceder o início do processo eleitoral, ou seja, o prazo final para a realização das convenções partidárias”.
Resta claro, portanto, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual a alteração do número de vereadores, por emenda constitucional, “é imediata”, desde que a sua publicação se dê antes do prazo final para a realização das convenções partidárias.
Como isso não ocorreu, os suplentes de vereadores não poderão ser convocados para ocupar as vagas resultantes da aprovação da PEC dos Vereadores, a qual somente será aplicada para os eleitos no próximo pleito municipal, em 7 de outubro de 2012.
É isso.
* Claudimar Barbosa da Silva
advogado.
Fonte: Congresso em Foco