terça-feira, 26 de junho de 2018

Turma do STF solta Dirceu



Por 3 votos a 1, a 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça (26) conceder liminar em habeas corpus para que o ex-ministro José Dirceu aguarde em liberdade o esgotamento da análise de seus recursos nas cortes superiores –o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal).

A defesa do petista, liderada pelo advogado Roberto Podval, apresentou reclamação à corte argumentando que ele não poderia ficar preso já que sua condenação não tinha transitado em julgado.

Além disso, a detenção, ordenada pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), teria ocorrido baseada em uma súmula daquele tribunal que diz que a prisão depois de condenação em segunda instância, como ocorre com Dirceu, deve ser automática.

Dirceu cumpre pena após ser condenado pela segunda instância da Justiça Federal a 30 anos e 9 meses de prisão.
Os advogados afirmam que, ao contrário do que diz a súmula, a prisão, mesmo depois de segundo grau, deve ser fundamentada.

O relator do habeas corpus, Dias Toffoli, decidiu conceder o habeas corpus de ofício após o ministro Edson Fachin pedir vista, o que interromperia a análise do pedido da defesa.

A turma julgou uma reclamação da defesa que alegou que Dirceu deveria esperar em liberdade pelo julgamento de seus recursos nos tribunais superiores.

Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli, pela concessão do habeas corpus de ofício até que se julgue definitivamente a reclamação da defesa de Dirceu.

Toffoli fundamentou seu voto afirmando que há chances de o ex-ministro reverter sua pena nas instâncias superiores, no tocante à dosimetria.

Fachin foi o único a divergir. Ele disse que a turma não deveria contrariar o entendimento do plenário do STF sobre cumprimento da pena após condenação em segundo grau.

Toffoli pediu a palavra para contestar as observações de Fachin. “Vossa excelência está colocando em meu voto palavras que não existem. Eu jamais fundamentei contrariamente à execução provisória da pena”, disse Toffoli, reforçando que considera plausível que o recurso de Dirceu seja bem-sucedido nas instâncias superiores quanto à dosimetria.

“Nós dois estamos entendendo o que nós estamos falando”, rebateu Fachin.

Folha de São Paulo

domingo, 24 de junho de 2018

Vacinação: taxa de cobertura despenca no Brasil


Até 2015 as coisas iam bem. A maioria das vacinas contava com índices de cobertura igual ou acima dos 95% da população alvo, como recomenda a boa epidemiologia.

Considera-se que, observado esse limite de segurança, os vírus de sarampo, da coqueluche, da poliomielite e assim por diante perdem as condições de se propagar pela população. O sistema imune do vacinado impede a multiplicação das partículas virais.

Alguma coisa aconteceu a partir de 2015, e a taxa de cobertura começou a despencar. Tome o exemplo da pólio, uma infecção capaz de deformar os membros das crianças: de 98% naquele ano, a taxa de imunização caiu para 84% em 2016 e 77% em 2017.

Quedas abruptas também se registraram para outras doenças. O que estaria por trás dessa involução, num país cujo programa de vacinação sempre foi considerado exemplar?

As razões até aqui imaginadas não são convincentes. Fala-se que um falso sentimento de segurança se espalhou entre pais e mães; na cabeça das pessoas, as moléstias estariam erradicadas, ou quase, e a probabilidade de um filho contraí-las seria desprezível.

Mas isso não explica por que a virada se deu em 2015, muito menos sua velocidade. Após uma década ou mais com altas coberturas, de repente todo mundo se sentiu seguro?

Ah, as pessoas têm preguiça de ir até o posto de saúde, dizem. Os horários de atendimento não ajudam. Há muita gente mais preocupada em conseguir emprego etc.

Ora, os horários não mudaram em 2015, nem a pobreza deu um salto. O desemprego aumentou em 2015 e 2016, mas retomou patamares onde já estivera de 2002 a 2004 —quando as taxas de cobertura vacinal estavam lá em cima.

Meu palpite: cresce no Brasil um movimento subterrâneo contra vacinas. Não conheço estudos que apontem isso, mas conheço alguns casais, em geral de classe média alta, que se recusam a vacinar os filhos.

Há entre eles quem seja adepto de homeopatia. Outros ouviram falar que vacinas podem causar autismo (uma bobagem). Convenceram-se de que seus meninos, bem alimentados e assistidos, não correriam risco na hipótese improvável de contraírem um vírus desses.

Qualquer criança pode morrer de uma infecção dessas, embora hoje seja incomum. Ao não vaciná-las, porém, contribuem para manter os vírus em circulação e põem em risco outras crianças menos bem de vida.

A conversa mole do autismo surgiu em 1998, quando o médico Andrew Wakefield publicou artigo na revista Lancet dizendo que a vacina tríplice MMR poderia desencadear o transtorno mental. No ano seguinte, a cobertura no Reino Unido caiu para 80%.

Denúncias de conflito de interesses contra Wakefield começaram a avolumar-se até que, em 2010, a Lancet retraiu o artigo. O médico tentava patentear sua própria vacina. Acabou tendo sua licença profissional cassada.

Embora desacreditada pela ciência, a lenda ainda circula. O que leva pessoas de bem a acreditar que governos e sanitaristas participam de uma conspiração para fazer mal a crianças?

Ignorância, talvez, misturada como uma subideologia natureba, ela sim cúmplice de um crime de lesa-infância.

Marcelo Leite
É repórter especial da Folha, autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).