A polêmica do momento, envolvendo a discussão acerca da proibição antecipada da publicação de biografias independentes, tem gerado grande repercussão. Vários juristas estão utilizando a mídia para expor seus mais variados posicionamentos sobre a questão.
Certamente, aquele que faz a opção pela vida pública não deve exigir que seja tratado como anônimo. É de uma incoerência tamanha, até porque quando é para usufruir dos bônus de ser figura pública, não há qualquer hesitação.
Na biografia não autorizada, toma-se conhecimento da parte da vida do biografado que sempre se pretendeu ocultar: como os escândalos de corrupção daquele político, os medicamentos não permitidos e ingeridos por aquele cantor, as deficiências mentais daquele jornalista, as articulações ilegais daquele jurista, as conversas íntimas reveladoras daquele presidente, seus relacionamentos extraconjugais e outros dados oportunamente omitidos pela imprensa.
Já na biografia autorizada, tudo é ‘Disney’; a vida é retratada como um mar de rosas onde não se peca, não se descontrola, não se comete infrações. Enfim. É a parte glamourosa que se pode e se quer tornar pública.
Como seria possível saber de importantes fatos da vida de José Sarney se não fosse o livro “Honoráveis Bandidos” de Palmério Dória; os bastidores do Governo Garotinho sem os relatos de Luis Eduardo Soares em “Meu Casaco de General - 500 dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro” ou os bastidores do Governo Collor senão contados por Mário Sérgio Conti no livro “Notícias do Planalto”?
As biografias não autorizadas - quando feitas dentro dos padrões éticos e morais - são peças que desnudam questões abafadas por biografados que visam uma imagem pública imaculada.
Em alguns casos, os motivos para se requerer judicialmente a proibição da circulação das obras são pífios. Hipoteticamente falando: seria coerente vetar uma biografia não autorizada do Roberto Carlos por se contar como ele perdeu uma de suas pernas? Quem, em sua sã consciência, não sabe que um dos ícones da música brasileira apresenta tal deficiência física?
Seria escusável impedir que o público tivesse acesso a detalhes da luta do jogador do Botafogo e da seleção brasileira, Garrincha, contra o alcoolismo?
Será que existe algum problema de ordem moral ao se ter conhecimento de que o ‘mestre das pernas tortas’ era alcoólatra? Até porque ninguém é alcoólatra somente dentro de casa.
Até mesmo a versão do ator Guilherme de Pádua (réu confesso do homicídio da atriz Daniela Perez), caso seja transcrita e divulgada, deve ser respeitada em que pese toda sua conduta vil.
Por outro lado, alguns entendem que ao se admitir a publicação de uma biografia não autorizada, abre-se margem para a indústria da difamação.
Nos Estados Unidos, o ex-presidente John Kennedy tem 57 biografias diferentes, com exposição de fatos que podem ter acontecido ou serem pura ficção.
A vertente mais coerente é não permitir, de antemão, que biografados ou seus parentes proíbam as biografias não autorizadas.
A Lei Civil brasileira já contempla o ressarcimento e a reparação por indenização quando se prova em Juízo que sofreu algum dano - seja moral ou material.
Quem opta pelo universo das celebridades e lucra com isso não pode impor um tratamento focado no anonimato.
Quando as revistas e sites de fofoca expõem as celebridades em momentos que lhes trazem ibope e que não nos proporcionam qualquer enriquecimento cultural, não há qualquer censura ou descontentamento - porque daquilo o artista tirou bom proveito.
Mas quando nosso país precisa enriquecer sua memória, deixando como herança relatos da vida de personalidades públicas, questiona-se o óbvio e censura-se a liberdade de expressão, mesmo que não haja qualquer dano moral ao biografado.
Caso ocorra algum ato que invada a privacidade do homem público, denegrindo sua imagem, existe a via correta e indicada para a reparação e o ressarcimento merecido.
Enfim. As personalidades públicas brasileiras querem apenas se valer do bônus da publicidade. Dessa forma, se afastam do que não lhes convém, prejudicando sobremaneira a História e a memória de nosso país.
Lamentável!
Cláudio Andrade
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