As crianças vêem o Papai Noel como um velhinho simpático, bonachão, que aparece uma vez por ano trazendo presentes. Um adulto, se acreditasse em Papai Noel, pensaria de outra maneira. Pensaria no Papai Noel como uma figura real, claro, porque adultos de há muito deixaram para trás a imaginação infantil. E isso geraria muitas perguntas. É casado, o Papai Noel? Se é casado, por que a mulher dele nunca aparece? E como será a mulher dele? Uma mulher simpática, bonachona, dadivosa, uma verdadeira Mamãe Noel, ou quem sabe é uma megera, sempre disposta a brigar com o marido e a acusá-lo (“Não me venha com essa história que você passou a noite entregando brinquedos, que eu não acredito”)? E filhos? Será que o Papai Noel tem filhos? E como será que esses filhos o vêem? Será que também o acusam, com frases tipo: “Meu pai se interessa por todos os filhos, menos por nós”?. E a vida cotidiana do Papai Noel, de que maneira transcorre? Diz a lenda que ele tem uma gigantesca fábrica de brinquedos no Pólo Norte. Se isso é verdade, como está enfrentando a crise? Está mantendo a produção, ou vai dar férias coletivas para os empregados? E como será o seu relacionamento com o sindicato da categoria? O que tem a dizer sobre a redução do IPI?
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Mas vamos dizer que, por um instante, esse adulto cético, amargurado, passe por aquilo que o poeta inglês Coleridge chamou de “suspension of disbelief”, a suspensão da descrença, condição importante para que penetremos no mundo da fantasia literária e da fantasia em geral. De repente, esse adulto vê-se diante do Papai Noel, que ali está, sorridente, perguntando ao homem o que ele quer: “Peça, e seu pedido será atendido.” O que você responderia?
As respostas talvez variassem, mas há uma na qual todos nós concordaríamos. E seria a seguinte: faça com que eu acredite de novo em Papai Noel. Faça com que eu recupere a ingênua e alegre crença da infância. Mais: faça com que eu recupere todas as minhas crenças, a crença de que os pais sabem tudo e podem tudo, a crença de que um mundo melhor, com mais justiça e menos iniqüidade, é possível. A crença de que a fome e a destruição ambiental vão terminar, que os povos vão se entender, que as guerras e o terrorismo terminarão. A crença de que os seres humanos são no fundo intrinsecamente bons e de que a solidariedade entre nós e possível. A crença de que nem tudo é feroz competição ou luta pelo poder.
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Moacyr Scliar.
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